Medicina em Minas Gerais

Últimas do Blog

Fique por dentro das novidades e aprimore seu conhecimento!

A RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE NA TELEMEDICINA

 A RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE NA TELEMEDICINA

21/JUL/2021

Carreira Médica

A palavra telemedicina é formada pela união do prefixo “tele”, cujo significado é distância/afastamento, com “medicina”, que é derivada do latim pela definição de “a arte da cura”. Nesse sentido, telemedicina em si compreende o conjunto de ações, conhecimentos, orientações e práticas médicas realizadas à distância, mediante o uso da tecnologia, como o telefone e a internet. De fato, na era da globalização, a telemedicina supre as lacunas físicas, encurtando diversas formas de distância, bem como as estruturais, ao prover acompanhamento médico, por exemplo, em uma região carente desses profissionais. Contudo, será que é possível afirmar de forma contundente que telemedicina é tão eficiente quanto a consulta tradicional presencial? Quais os possíveis danos oriundos desse novo exercício da medicina na relação médico-paciente, na regência da consulta em si e na definição do diagnóstico? Quais os impactos da ausência do exame físico na anamnese? Para isso, é de extrema importância contrabalancear os aspectos positivos e negativos da telemedicina com vistas à compreensão de que, a princípio, ela surge como uma forma de aperfeiçoamento da prática médica tradicional como um todo e não para substituí-la. Por fim, cabe uma discussão detalhada sobre os componentes éticos e legais abarcados nessa nova expressão da arte da cura.

 

De acordo com uma revisão científica sistemática (1), a telemedicina pode ser utilizada como forma alternativa ao atendimento presencial e que o uso de sistemas complexos de tecnologia torna essa prática viável, todavia os benefícios clínicos ainda são inconclusivos. Ademais, outra análise destacou que a telemedicina possui potencial significativo nas áreas de telerradiologia, telepsiquiatria, transmissão de imagens ecocardiográficas e consultas entre provedores de saúde primários e secundários (2). Outro ponto importante a ser ressaltado é a questão da falta de evidências e de ensaios clínicos apropriados associados ao custo-efetividade da prestação de cuidados em saúde (3), bem como a falta do estudo sobre os seus impactos socioeconômicos (4). A telemedicina evoluiu de modo bastante acelerado, o que comprova a relativa falta de conhecimento sobre, principalmente pela perspectiva do paciente, como a satisfação com o atendimento e os custos envolvidos.

 

Nesse contexto, é preciso salientar que a relação médico-paciente sofre inúmeras influências, dentre elas a cultural possui um peso expressivo a ser considerado (5). De acordo com Sérgio Buarque de Holanda (6), em sua célebre obra “Raízes do Brasil”, o brasileiro é considerado um homem “cordial”, do latim cordis, que significa coração e, dessa forma, seria um sujeito em que as emoções desempenham um papel bastante importante nas relações interpessoais. Percebe-se essa constatação na relação médico-paciente, haja vista que a afetividade é vista frequentemente e, muitas vezes, chega a ser definido como o “médico da família”. A confiança e o estreitamento de laços entre esses sujeitos é construído ao longo do tempo, por meio do toque humano e cuidadoso, de forma gradual e sobretudo são potencializadas em situações com certo risco. Geralmente, não apetece ao brasileiro o tratamento por um desconhecido, especialmente em uma possível consulta na telemedicina, denotando a inextricabilidade da prática médica tradicional.

 

Ademais, é preciso que os profissionais de saúde abordem os pacientes com foco no sujeito em si, e não em sua enfermidade (7). A partir disso, será possível a concretização de uma telemedicina humanizada, que é capaz de utilizar as ferramentas de tecnologia e de comunicação no atendimento à distância, com vistas a proporcionar um contato único com tais profissionais. Hoje, devido à pandemia de Covid-19 e o consequente medo em se expor ao vírus, a telemedicina foi bastante utilizada de modo efetivo em virtude da segurança proporcionada por ela tanto ao médico quanto ao paciente, além do fato de transpor o atendimento médico a regiões com carência desses profissionais. Vale ressaltar também que os mecanismos utilizados pela telemedicina evitam a superlotação em ambientes de saúde, reduzindo o estresse gerado pelas longas filas de atendimento e pelo tempo de espera, que costuma ser relativamente elevado (7).

 

Em relação aos componentes éticos e legais, a telemedicina possui alguns pontos importantes a serem considerados. Primeiramente, os encontros eletrônicos abarcam um número maior de pessoas envolvidas quando comparados aos presenciais, haja vista a existência de outros empregados relacionados às filiais comerciais que proporcionam o atendimento online (8). Nesse sentido, a privacidade do paciente e do médico encontra-se em vulnerabilidade em razão da possibilidade de vazar informações a respeito da consulta e imagens dos envolvidos capturadas em um ambiente confidencial de atendimento médico. Cabe abordar também que as demais responsabilidades éticas devem permanecer nesse novo modo de exercer a medicina, como a confiança entre médico e paciente, a fidelidade do médico em priorizar o bem estar do paciente, o fornecimento de cuidados competentes, a transparência na tomada de decisões, a privacidade e a confidencialidade do paciente para a continuidade dos cuidados (8). 

 

Por fim, a telemedicina é uma ferramenta inovadora e progressista que traz consigo diversos pontos positivos e negativos. Com isso, é necessário contrabalancear esses aspectos para garantir o seu uso de forma adequada e não prejudicial ao exercício apropriado da prática médica, sendo que a telemedicina consiste numa maneira de aperfeiçoamento e de ampliação da medicina tradicional (9). As responsabilidades, sobretudo éticas, continuam voltadas ao médico e devem ser realizados uma gama maior de estudos nessa área como um todo a fim de elucidar pontos ainda superficiais, como a perspectiva do paciente.

 

Autoria: Comissão Ensino Médico: Hyan Bacelete Tavares e Lídia Costa Duarte

 

Referências Bibliográficas:

R. Currell, C. Urquhart, P. Wainwright, et al., Telemedicine Versus Face to Face Patient Care: Effects on Professional Practice and Health Outcomes, Cochrane Library The Cochrane Collaboration, 2012 [Oxford: Update Software].
R. Roine, A. Ohinmaa, D. Hailey, Assessing telemedicine: a systematic review of the literature, CMAJ 165 (September (6)) (2011) 765–771.
PS. Whitten, F.S. Mair, A. Haycox, C.R. May, T.L. Williams, S. Hellmich, Systematic review of cost effectiveness studies of telemedicine interventions, BMJ 324 (June (7351)) (2012) 1434–1437.
P. Jennett, L. Affleck Hall, D. Hailey, A. Ohinmaa, C. Anderson, R. Thomas, et al., The socio-economic impact of telehealth: a systematic review, J. Telemed. Telecare 9 (6) (2013) 311
 Luz PL. Nem só de ciência se faz a cura. São Paulo: Atheneu; 2001.
RICARDO, Cassiano. “Variações sobre o “homem cordial”. In: HOLANDA, Sergio Buarque. Raízes do Brasil. Companhia das Letras, Edição comemorativa 70 anos. 2006.
Leite SCM de C, Leal BMN, de Sousa LS, Gomes DMP, Dias SV dos S, Nery MGD, Aroso DOM, de Aguiar MLS, Beltrão RPL, da Silva ACB. A relação médico-paciente frente à telemedicina. REAS [Internet]. 1fev.2021 [citado 15jul.2021];13(2):e5694. Available from: https://acervomais.com.br/index.php/saude/article/view/5694
Chaet D, Clearfield R, Sabin JE, Skimming K; Council on Ethical and Judicial Affairs American Medical Association. Ethical practice in Telehealth and Telemedicine. J Gen Intern Med. 2017 Oct;32(10):1136-1140. doi: 10.1007/s11606-017-4082-2. Epub 2017 Jun 26. PMID: 28653233; PMCID: PMC5602756.
Luz, Protásio Lemos daTelemedicine and the Doctor/Patient Relationship. Arquivos Brasileiros de Cardiologia [online]. 2019, v. 113, n. 1 [Accessed 15 July 2021] , pp. 100-102. Available from: <https://doi.org/10.5935/abc.20190117>. Epub 08 Aug 2019. ISSN 1678-4170. https://doi.org/10.5935/abc.20190117.