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06/JUN/2021
Adam Smith, um dos filósofos do século 18 que pertenceu ao período das luzes, pontuou em uma de suas premissas que a ciência é o grande antídoto do veneno, do entusiasmo e da superstição (1). Tendo em vista esse cenário e correlacionando os fatos do passado com a contemporaneidade, é possível notar que as ideias iluministas nunca estiveram tão presentes quanto nos dias de hoje. A busca por conhecimento, por uma consciência individual e por uma ciência que tenha comprovação em fatos e dados, expressa parte dos anseios de uma época na qual grande parcela da população vivia na “escuridão”. Com isso, levando em conta os acontecimentos, sobretudo do último ano, os quais, inúmeras pessoas, sem formação ou capacidade técnica, espalharam diversas fake news sobre o uso de medicamentos para o tratamento da COVID-19, é enaltecida a forte necessidade de uma maior aproximação da ciência com a prática médica, a Medicina Baseada em Evidências.
Primeiramente é importante definir o conceito de Medicina Baseada em Evidências (MBE): trata-se de um movimento voltado para a formação de médicos cujo processo de educação é contínuo, sendo um elo entre a execução da pesquisa científica de qualidade, com evidências, as quais garantem efetividade, eficiência, eficácia e segurança, e a prática médica, ou seja, preconiza que as decisões clínicas devem ser embasadas no melhor grau de evidência obtido a partir de trabalhos científicos relacionados à questão clínica de interesse. No âmbito da prática cirúrgica, à MBE cabe o papel de respaldar as decisões terapêuticas compartilhadas entre a equipe multidisciplinar e o paciente, com objetivo de impactar de forma positiva a sua qualidade de vida (2); desse modo, a MBE se torna uma das ferramentas do processo de tomada de decisão, que ainda por cima deve levar em consideração as individualidades do paciente, a expertise do cirurgião e da sua equipe e os recursos humanos e tecnológicos disponíveis para as possíveis demandas tanto no preparo e durante o ato quanto no pós-cirúrgico.
Desse modo, torna-se imprescindível ao profissional saber utilizar as bases de dados e fazer a busca de termos claros e objetivos de forma a selecionar os trabalhos mais relevantes acerca do tema pesquisado. A análise crítica da bibliografia objetiva encontrar aquelas com metodologias mais solidificadas, construídas de forma a ter impacto mínimo dos fatores de confusão nos resultados; para isso, o Centro de Medicina Baseada em Evidências de Oxford elaborou uma classificação rígida para as publicações, elencando-os com base nos níveis de evidência científica (3).
As recomendações são estratificadas de acordo com a qualidade da evidência científica, fortemente relacionadas ao tipo de estudo. As evidências com grau de recomendação do tipo A são caracterizadas por serem suficientemente fortes a ponto de compor as diretrizes clínicas elaboradas por especialistas e são baseadas em estudos com nível 1 de evidência, ou seja, metanálises de estudos controlados; o maior nível de evidência dentro dessa categoria é relegada às revisões sistemáticas, caracterizadas pelo rigor metodológico; em segundo lugar, encontram-se as metanálises de estudos bem desenhados, ou seja, experimentais do tipo ensaio clínico randomizado com protocolos rígidos, e de preferência cegos, ou estudos observacionais (coorte, para fins diagnósticos). O grau de recomendação do tipo B se refere àquelas com evidências contraditórias, onde ainda não há comprovação da eficácia da intervenção, e são obtidos por pelo menos um ensaio clínico randomizado bem desenhado (nível 2 de evidência) ou um ensaio clínico sem randomização com uma pequena amostra de participantes, mas que apresente resultados com significância estatística (nível 3 de evidência). Evidências com um grau de recomendação do tipo C são obtidas por meio de estudos descritivos e qualitativos, sem delineamento experimental, ou estudo de série de casos, e denotam pouca comprovação de eficácia da intervenção. O grau de recomendação do tipo D é relegado a pequenos estudos de caso-controle e opinião de especialista, cujas evidências não são o suficiente para indicar uma intervenção (4,5,6).
É importante ressaltar que cada finalidade clínica se relaciona com um tipo de estudo, ou seja, coortes são importantes ferramentas para análises de prognóstico e ensaios clínicos randomizados fornecem dados importantes para embasar um tratamento; tendo isso em vista, percebe-se que o mesmo tipo de estudo pode ser classificado com níveis diferentes de recomendações, uma vez em que a análise desta depende da finalidade da pesquisa clínica.
Ao avaliar o contexto da prática cirúrgica, a MBE assume papel de significativa importância devido à complexidade e risco dos procedimentos dessa área. Dessa forma, a abordagem baseada em evidências permite que o profissional seja capaz de decidir a melhor conduta fundamentada no histórico científico de cada procedimento, por meio do uso de dados já existentes que podem prever possíveis desfechos. Com isso, ao associar a MBE com a conduta individualizada de cada paciente, o médico é capaz de utilizar o seu conhecimento e a experiência científica para identificar de forma eficaz o estado de saúde do paciente, além de prever os seus riscos individuais, o que reduz significativamente a chance de ocorrência de vieses de comportamento.
Aos novos cirurgiões, espera-se competências intimamente relacionadas à aplicação da MBE, como avaliação constante da qualidade e do custo/benefício das intervenções e dos resultados, com atenção à eficácia do sistema de saúde em que atua e aos indicadores de saúde da população atendida. Cabe ressaltar a importância da atuação dos novos cirurgiões na prevenção de condições de saúde, principalmente as com impacto significativo em sua qualidade de vida (7).
“A vida sem a ciência é uma espécie de morte.” - SÓCRATES.
Autoria: Comissão Ensino Médico: Hiany Bacelete Tavares, Hyan Bacelete Tavares, Igor Amorim Amaral e Lídia Duarte Costa
REFERÊNCIAS
1- CERQUEIRA, Hugo. Adam Smith e o surgimento do discurso econômico. Revista de Economia Política, v. 24, n. 3, 2004.
2- GOLDENBERG, Dov C.; BAROUDI, Ricardo. Medicina baseada em evidências: como e quando em cirurgia plástica. Rev Bras Cir Plást, v. 24, n. 1, 2009.
3- MACHADO, Regimar Carla. Níveis de evidência para a prática clínica. Revista SOBECC, v. 20, n. 3, p. 127, 2015.
4- GALVÃO, Cristina Maria. Niveles de evidencia. Acta Paulista de Enfermagem, v. 19, n. 2, p. 5-5, 2006.
5- ATALLAH, Alvaro Nagib; TREVISAN, V.; VALENTE, Orsini. Tomada de decisões terapêuticas com base em evidências científicas. Atualização terapêutica-manual prático de diagnóstico e tratamento. São Paulo: Artmed, p. 6-7, 2001.
6- CAMARGOS, Aroldo Fernando. O significado do grau de recomendação e força de evidência A da classificação da Associação Médica Brasileira. Femina, v. 38, n. 2, p. 60, 2010.
7- Faria L, Oliveira-Lima JA de, Almeida-Filho N. Medicina baseada em evidências: breve aporte histórico sobre marcos conceituais e objetivos práticos do cuidado. Hist cienc saude-Manguinhos [Internet]. 2021 março; 28 (1): 59–78. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/s0104-59702021000100004.
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