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23/AGO/2022
O ceratocone compreende uma doença de análise complexa, sendo caracterizada por afinamento progressivo além de uma protrusão cônica da córnea. Se não for tratada precocemente, pode resultar em deficiência visual grave ou cegueira irreversível. (1) Geralmente, a doença se manifesta a partir dos 20 anos de idade, quando a córnea assume uma forma mais cônica, possibilitando o desenvolvimento de astigmatismo irregular, miopia progressiva, afinamento corneano, e por fim, uma baixa acuidade visual. (2)
Nesse contexto, a prevalência dessa doença varia entre as populações com uma estimativa de 1/2.000 indivíduos, sem preferência por sexo ou por etnia. Estudos em áreas variadas, como genética e genômica apontam que a doença é multifatorial, com um caráter hereditário importante.(4) Além disso, uma análise sérica de pacientes com ceratocone mostrou níveis alterados de imunoglobulinas sugerindo uma ligação entre atopia e ceratocone, verificando-se que a doença está associada a doenças atópicas,como asma, rinite alérgica, dentre outras. (3)
É importante ressaltar que o ceratocone pediátrico tende a ser mais agressivo do que o ceratocone adulto por causa do ambiente dinâmico na córnea jovem. Isto é, maiores taxas de remodelação do colágeno corneano foram observadas em córneas pediátricas quando comparadas a adultos. Ademais, a deficiência visual em pacientes pediátricos pode afetar o desenvolvimento social e educacional, impactando negativamente sua qualidade de vida. Inicialmente, o ceratocone pediátrico é unilateral; entretanto, a maioria dos pacientes desenvolve a doença bilateralmente. (2)
No que tange sua base fisiopatológica, o afinamento do estroma geralmente é atribuído à degradação do colágeno por enzimas proteolíticas, à diminuição dos níveis de inibidores de proteases, além de considerar que essa substância é redistribuída dentro da córnea entre as diferentes lamelas. (4) Atualmente, há ainda evidência da presença de marcadores inflamatórios e citocinas nas lágrimas de pacientes com ceratocone, incluindo interleucinas (IL-1, IL-6, IL-8). Os mecanismos mais atuais incluem aumento da cinética da ciclo-oxigenase com uma elevação da produção de PGE2 (inibe as funções biológicas dos fibroblastos, incluindo a síntese de colágeno, proliferação e diferenciação dos miofibroblastos). Por último, considera-se que a fricção dos olhos aumenta o nível de metaloproteinase-13 da lágrima, IL-6 e TNF-alfa em olhos normais e com ceratocone, sendo que a liberação desses mediadores inflamatórios contribui para o desenvolvimento e para a progressão da doença. (2)
Quanto à apresentação, o ceratocone é tipicamente bilateral, embora a doença possa se desenvolver e progredir em taxas diferentes em cada olho. (2) Deve ser suspeitado em qualquer paciente com astigmatismo irregular significativo, especialmente se instável e se registrado aumento ao longo do tempo. (4) Em relação aos sintomas, o quadro inicial é sutil, mas à medida que a doença progride, a córnea afina e se projeta, formando uma forma cônica assimétrica. Clinicamente, o primeiro sinal conclusivo de ceratocone é a inclinação da córnea (4) e, posteriormente, depósitos de ferro pigmentado, conhecidos como anel de Fleischer, são comumente observados ao redor da base do cone em desenvolvimento. Outrossim, linhas de tensão verticais finas, conhecidas como estrias de Vogt, resultantes da compressão da membrana de Descemet são um sinal de ceratocone moderado. Já os estágios avançados são caracterizados pelo sinal de Munson, que descreve a deformação em forma de V da pálpebra inferior durante o olhar para baixo. (1)
Diante dessas alterações, é característico o paciente se queixar de uma perda progressiva da visão, a qual se torna borrada e distorcida. Além de relatar frequente aumento dos graus das lentes dos óculos até que seja necessário substituí-los por lentes de contato. Podem manifestar ainda: sensibilidade à luz, comprometimento da visão noturna, visão dupla (diplopia), formação de múltiplas imagens de um mesmo objeto ou de halos ao redor das fontes de luz. (5)
Em consequência ao quadro, a hidropsia da córnea é uma complicação potencialmente cega do ceratocone envolvendo rupturas na membrana de Descemet que causam edema do estroma e perda da transparência da córnea. Esta complicação gera dor intensa, opacidade da córnea, fotofobia e requer transplante de córnea imediato. (1)
A doença não tem cura, mas tem tratamento. Por isso o diagnóstico precoce é de suma relevância para determinar o curso da doença. Nesse sentido, a técnica padrão-ouro para diagnóstico e monitoramento da progressão é a topografia da córnea (ou videoceratografia), um método assistido por computador para mapeamento e análise da superfície e curvatura da córnea. (3) Além disso, a tomografia da córnea permite a detecção precoce da ectasia da córnea, pois se trata de um exame quantitativo detalhado das superfícies anterior e posterior da córnea. (4) É essencial examinar a superfície posterior da córnea para procurar também alterações precoces de elevação e afinamento do estroma. Esses achados são frequentemente as primeiras alterações estruturais clinicamente detectáveis, pois a remodelação epitelial, que pode ocultar um cone precoce, geralmente mascara as alterações iniciais da superfície anterior. (2)
Quando as alterações na córnea remetem a um estágio inicial, o uso de óculos costuma ser suficiente para a recuperação da acuidade visual. Entretanto, à medida que a doença evolui, lentes de contato passam a ser necessárias, pois ajudam a ajustar a superfície anterior da córnea, além de corrigir o astigmatismo irregular provocado pela deformidade. Há, ainda, um método minimamente invasivo, o crosslinking, no qual tem por objetivo fortalecer as moléculas de colágeno da córnea para evitar seu contínuo abaulamento. Por fim, pode-se fazer uso também de anéis intracorneais, chamados anéis de Ferrara. (5)
Em consequência de seu caráter genético e hereditário, pouco se sabe como evitar o aparecimento do ceratocone. Por outro lado, entende-se que é possível controlar o desenvolvimento da mesma em pessoas geneticamente predispostas, por meio da correção do hábito de coçar os olhos; tratando rinite alérgica, alergias dermatológicas e asma; correta adaptação e higiene das lentes de contato, quando necessário usá-las. (5)
Conclui-se, portanto, que o ceratocone causa morbidade visual significativa. A detecção precoce é agora uma proposta viável com a tomografia corneana aprimorada, métodos de diagnóstico e vigilância; no entanto, as metodologias atuais para medir a biomecânica da córnea são limitadas e requerem investigação adicional. (2) Para tal, crianças e adolescentes devem realizar consultas de rotina ao oftalmologista, sobretudo se houver casos de ceratocone na família.
Autores: Comissão de Ensino Médico da Sociedade de Acadêmicos de Medicina de Minas Gerais (SAMMG) - Mariana Almeida Botelho e Haine Luísa Ribeiro.
Referências
1) Lucas SEM, Burdon KP. Genetic and Environmental Risk Factors for Keratoconus. Annu Rev Vis Sci. 2020;6:25-46. doi:10.1146/annurev-vision-121219-081723
2) Mukhtar S, Ambati BK. Pediatric keratoconus: a review of the literature. Int Ophthalmol. 2018;38(5):2257-2266. doi:10.1007/s10792-017-0699-8
3) Atalay E, Özalp O, Yıldırım N. Advances in the diagnosis and treatment of keratoconus. Ther Adv Ophthalmol. 2021;13:25158414211012796. Published 2021 Jun 24. doi:10.1177/25158414211012796
4) Mas Tur V, MacGregor C, Jayaswal R, O'Brart D, Maycock N. A review of keratoconus: Diagnosis, pathophysiology, and genetics. Surv Ophthalmol. 2017;62(6):770-783. doi:10.1016/j.survophthal.2017.06.009
5) Ministério da Saúde. Biblioteca Virtual em Saúde [homepage na internet]. Ceratocone [acesso em 23 mai 2022]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/ceratocone/.
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