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Impactos da pandemia na saúde mental e no neurodesenvolvimento das crianças e adolescentes

Impactos da pandemia na saúde mental e no neurodesenvolvimento das crianças e adolescentes

06/MAI/2021

Saúde

Desde 2020, a pandemia do SARS-Cov-2 vem causando danos sociais, econômicos e culturais irreparáveis por todo o planeta. Trata-se da maior crise humanitária mundial desde os eventos da Segunda Grande Guerra. A fim de conter o avanço da doença, várias medidas que impõem o distanciamento social foram tomadas, e com isso, as formas de se relacionar em sociedade sofreram alterações profundas: as rotinas de trabalho, estudo e lazer foram adaptadas ao ambiente doméstico. Em contrapartida, essa medida é um mal necessário e tem um impacto profundo entre as populações mais vulneráveis por aumentar a taxa de desemprego, reduzir a oferta de empregos informais e por estimular o corte salarial1. É importante ressaltar que as consequências desses eventos têm um peso imensurável na formação das próximas gerações. O estresse tóxico ao qual as crianças e adolescentes estão sendo submetidos, principalmente as mais vulneráveis que convivem com um contexto familiar mais precário, com alta densidade habitacional e a violência doméstica, potencializa todas as questões que cerceiam o seu desenvolvimento adequado. 

 

Nesse contexto, é de suma importância discutir os efeitos da pandemia da Covid-19 no neurodesenvolvimento de crianças e de adolescentes. Logo, é importante entender o processo  enquanto dinâmico uma vez em que se encontra atrelado  à maturação do sistema nervoso como um todo simultaneamente à interação da criança/adolescente com um ambiente e, dessa maneira, há o processo de formação da personalidade e aprimoramento de funções, tais como a motora, a sensorial, a linguagem e a social2. Vale ressaltar que a aquisição dessas habilidades ocorre ao longo da vida da criança e do adolescente, com as chamadas “janelas de oportunidades”: determinados momentos em que esse grupo está mais suscetível ao aprendizado de certas competências em virtude da mudança em receptores nervosos glutamatérgicos, ocasionando períodos críticos fisiológicos para maturação sináptica e mudança nas propriedades eletrofisiológicas responsáveis pela formação do circuito e da conquista de habilidades específicas.

 

A linguagem constitui o principal meio de interação, uma vez que projeta emoções, pensamentos e ideias ao longo do tempo e no espaço. A partir disso, tem-se uma série de habilidades associadas à cada faixa etária, como a linguagem por gestos, sobretudo pelas vias visual e facial, de 0 a 12 meses; a linguagem verbal, de modo expressivo pela fala e audição, de 1 a 5 anos; e a linguagem escrita, pela apreensão visual com a leitura e pela emissão por meio da escrita, além de 5 anos2. Além disso, há a questão social, sendo intimamente associada à linguagem, como a interação com a comunidade durante os primeiros anos de vida, muitas vezes, da criança com seus familiares, e a oportunidade aos novos contatos realizados no ambiente escolar. Esse meio proporciona o desenvolvimento de sentimentos associados ao próximo, como empatia, a consolidação de sentimentos de pertencimento pela concretização da identidade e a interação proporcionada por brincadeiras e convívio social que exercem forte influência na saúde geral das crianças, particularmente em seus níveis socioemocionais.

 

Para as crianças mais novas, que ainda estão em processo de desenvolvimento de recursos cognitivos, a interpretação do mundo e dos acontecimentos ocorre atrelada às suas próprias experiências e às modalidades sensoriais. À elas, o significado da pandemia é intangível e, diante a percepção da mudança abrupta da rotina, das interações entre os familiares e submetidas ao estresse tóxico, tendem a reagir com mudanças comportamentais nocivas ao seu próprio desenvolvimento. Diante todo esse contexto, tornam-se mais chorosas, irritadas ou até mesmo demonstram mais apatia, passam a dor mal e a recusar alimentação, mordem, e começam a regredir em marcos importantes do desenvolvimento.

 

A pandemia ainda trouxe muitos desafios que impactam diretamente na saúde materno-fetal. O medo associado às medidas de distanciamento se tornaram um empecilho à realização dos exames e das consultas de pré-natal; o impacto também é visto na redução das participações do cônjuge durante o acompanhamento do pré-natal e do puerpério4. Com a rede de apoio reduzida, aumento da insegurança e redução da renda familiar, houve aumento na prevalência de sintomas ansiosos em gestantes e puérperas, fator que limita o crescimento e o desenvolvimento fetal-neonatal5. Observa-se também implicações na pediatria: aumento da quantidade de calendários vacinais incompletos, alterações comportamentais (principalmente relacionado às oscilações de humor) entre os pacientes. Ademais, houve queda acentuada da quantidade de consultas pediátricas, ainda que as presenciais sejam substituídas pela internet ou whatsapp; tal fato justifica-se pela insegurança e medo de infectar os filhos e possui um impacto importante nas consultas de puericultura, essenciais para avaliação de questões sobre o crescimento e desenvolvimento do lactente6.  Desse modo, cabe aos profissionais de saúde o papel de reforçar a necessidade de seguir esses acompanhamentos de forma adequada, validar as queixas e inseguranças maternas e repassar as orientações dos órgãos norteadores sobre as especificidades dos pacientes em questão no contexto de pandemia, de forma a sanar dúvidas e demandas, uma vez em que esse acompanhamento permite a identificação precoce de fatores de impacto importante no desenvolvimento infantil.

 

Nesse sentido, é essencial pensar sobre o impacto no aprendizado dessas competências ocasionado pelo distanciamento social com consequente fechamento das escolas causado pela pandemia da Covid-19, com destaque para defasagens e regressões nos quesitos sociais e comunicativos. Percebe-se essa constatação na medida em que, conforme supracitado, o ambiente escolar possui as características necessárias para promover um aprendizado efetivo, bem como a promoção da socialização dessas crianças e adolescentes. Consequentemente, há um desenvolvimento apropriado de suas habilidades, destacando o papel inextricável que a necessidade de pertencimento desempenha nos relacionamentos entre pares e, também, no seu bem-estar psicológico.

 

Ademais, é imprescindível analisar a saúde mental de crianças e de adolescentes na pandemia, haja vista que o estresse enfrentado expõe sua condição como vulnerável. O dano psíquico a esses indivíduos depende de vários fatores de vulnerabilidade, por exemplo idade de desenvolvimento, condição de saúde mental pré-existente, status educacional, o que gera, sobretudo em crianças pequenas, sono perturbado, pesadelos, mais pegajosidade, falta de apetite e desatenção8. Vale ressaltar também que o uso compulsivo de jogos na Internet e mídias sociais e condições financeiras desfavorecidas os coloca em maior risco, pois, muitas vezes, o cenário atual ocasiona a intensificação de sentimentos de ansiedade e incertezas diante do futuro, o que evidencia a necessidade de proteção da sua saúde mental.

 

Outro fator importante a ser pontuado é o aumento do tempo de tela durante a pandemia. A exposição excessiva à televisão, videogames e outras tecnologias visuais, já era um foco de investigação científica, principalmente quando relacionado ao sono e à obesidade, fatores que atuam de forma significativa no neurodesenvolvimento infantojuvenil. Identificou-se que, a cada hora assistindo TV e/ou DVD ou jogando em  videogames e computadores, mais prevalente se torna a percepção de descanso insuficiente. A associação entre o tempo de tela e o ganho de peso é explicada pelo estímulo ao sedentarismo associado ao aumento no consumo de alimentos9. Além disso, a exposição à luz azul emitida pelas telas ocasiona um desbalanço no ciclo circadiano ao reduzir a produção de melatonina, hormônio essencial no processo de metabolismo energético; desse modo, a concentração plasmática reduzida da melatonina está associada ao aumento da resistência periférica à insulina, intolerância à glicose, distúrbios da secreção da insulina, dislipidemia, distúrbios do balanço energético e obesidade.

 

A adaptação para o ensino remoto não é a opção mais adequada, principalmente para as crianças mais novas, uma vez que nessa fase a criança aprende por meio de experiências concretas, interativas e lúdicas, entretanto, trata-se de um mal necessário, uma vez em que o distanciamento social é a principal medida para redução das taxas de transmissão da COVID-19; desse modo, as discussões sobre o impacto da pandemia no neurodesenvolvimento infantojuvenil devem ser estimuladas, a fim de que sejam criadas orientações e intervenções importantes na área. De acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria, não se deve expor crianças com menos de 2 anos a telas e, para aquelas de 2 a 5 anos, o tempo diário deve ser limitado a uma hora. Dessa forma, são necessários o estabelecimento de horários e a manutenção de uma rotina que provê segurança à criança no ambiente doméstico, mediante a realização de atividades que estruturem de modo efetivo o cotidiano, promovendo uma interação apropriada com esse grupo. A exemplo disso, existem alternativas que auxiliam na composição dessa rotina com vistas a redução dos prejuízos causados pela pandemia, tais como leitura de histórias infantis, desenhos, auxílio nas tarefas escolares, utilização de jogos, quebra-cabeças e outras brincadeiras que podem ser realizadas em qualquer local, estimulando a imaginação dessas crianças7. Uma outra proposta é a criação de uma rede colaborativa de pais, psiquiatras, psicólogos, pediatras, voluntários da comunidade e ONGs, com o objetivo de suscitar discussões sobre o assunto para minimizar os danos causados8. Por fim, o fomento a atividades físicas é responsável por melhorar o bem-estar geral de todos no ambiente doméstico, especialmente com enfoque para elevação dos níveis de humor em crianças e adolescentes.

 

Autoria: Comissão Ensino Médico: Hyan Bacelete Tavares e Lídia Duarte Costa