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13/AGO/2021
A Leishmaniose é uma doença causada por protozoário muito incidente no Brasil, que tem grande manifestação no Nordeste e Sudeste do país e avança cada vez mais para regiões urbanas. De acordo com a Vigilância em Saúde, a forma mais prevalente e grave da doença é a Leishmaniose Visceral e, no Brasil, a região mais afetada pela doença é o Nordeste, que apresentou 56,73% do total de casos no país. Em seguida, destaca-se o Sudeste, com 19,53%. A leishmaniose visceral (LV), ou calazar, é uma doença crônica grave, potencialmente fatal para o homem, cuja letalidade pode alcançar 10% quando não se institui o tratamento adequado. É causada por espécies do gênero Leishmania, pertencentes ao complexo Leishmania (Leishmania) donovani (1). No Brasil, a importância da leishmaniose visceral reside não somente na sua alta incidência e ampla distribuição, mas também na possibilidade de assumir formas graves e letais quando associada ao quadro de má nutrição e infecções concomitantes.
Tendo em vista esse cenário, o primeiro relato de LV no Brasil foi feito em 1934, quando foram encontradas amastigotas de Leishmania em cortes histológicos de fígado de pessoas que morreram com suspeita de febre amarela. Somente 20 anos depois é que se registrou o primeiro surto da doença em Sobral, no Ceará. Em meados dos anos 80, constatou-se uma transformação drástica na distribuição geográfica da LV. A doença, antes restrita às áreas rurais do nordeste brasileiro, avançou para outras regiões indenes alcançando inclusive a periferia de grandes centros urbanos (4). Com a expansão da área de abrangência da doença e o aumento significativo no número de casos, a LV passou a ser considerada pela Organização Mundial da Saúde uma das prioridades dentre as doenças tropicais. Atualmente, a LV é endêmica em 62 países, com um total estimado de 200 milhões de pessoas sob risco de adquirirem a infecção. Aproximadamente 90% dos casos ocorrem em 5 países: Índia, Bangladesh, Nepal, Sudão e Brasil. A doença atinge principalmente as populações pobres desses países. Embora existam métodos de diagnóstico e tratamento específicos, grande parte da população não tem acesso a estes procedimentos, elevando os índices de mortalidade (5).
Sendo assim, a ocorrência da doença em uma determinada área depende basicamente da presença do vetor susceptível e de um hospedeiro/reservatório igualmente susceptível. A possibilidade de que o homem, principalmente crianças desnutridas, sejam fonte de infecção, pode conduzir a um aumento na complexidade da transmissão da LV (2). A principal forma de transmissão do parasita para o homem e outros hospedeiros mamíferos é através da picada de fêmeas de dípteros da família Psychodidae, subfamília Phebotominae, conhecidos genericamente por flebotomíneos. No ambiente doméstico, o cão é considerado um importante hospedeiro e fonte de infecção para os vetores, sendo um dos alvos nas estratégias de controle. Entretanto, para se determinar o papel destes animais na manutenção da transmissão da LV, são necessários maiores estudos (3).
Dessa forma, diferentes técnicas podem ser utilizadas para o diagnóstico de leishmaniose visceral humana e canina. Muitos avanços têm ocorrido nos últimos anos, mas a despeito do grande número de testes disponíveis para o diagnóstico da LV, nenhum apresenta 100% de sensibilidade e especificidade. Nos casos humanos, o diagnóstico é rotineiramente realizado com base em parâmetros clínicos e epidemiológicos. Entretanto, um diagnóstico definitivo requer a demonstração do parasita através de métodos parasitológicos. A demonstração do parasito pode ser feita em material de biópsia ou punção aspirativa do baço, fígado, medula óssea ou linfonodos. O conteúdo obtido é utilizado para a confecção de esfregaço ou impressão em lâminas, histologia, isolamento em meios de cultura ou inoculação em animais de laboratório. A especificidade destes métodos é de 100%, mas a sensibilidade é muito variável, pois a distribuição dos parasitas não é homogênea no mesmo tecido. A sensibilidade mais alta (98%) é alcançada quando se utiliza aspirado do baço. As punções esplênicas e de medula óssea são consideradas procedimentos invasivos e exigem ambientes apropriados para a coleta, não sendo procedimentos adequados para estudos epidemiológicos em larga escala, e muitas vezes são também inadequados para diagnósticos individuais (6). O diagnóstico clínico é complexo, pois a doença no homem pode apresentar sinais e sintomas que são comuns a outras patologias presentes nas áreas onde incide a LV, como, por exemplo, Doença de Chagas, Malária, Esquistossomose, Febre Tifóide e Tuberculose. Pacientes com LV apresentam febre prolongada, esplenomegalia, hepatomegalia, leucopenia, anemia, hipergamaglobulinemia, tosse, dor abdominal, diarréia, perda de peso e caquexia (7).
O Brasil enfrenta atualmente a expansão e urbanização da LV com casos humanos e grande número de cães positivos em várias cidades de grande e médio porte. O ciclo de transmissão, que anteriormente ocorria no ambiente silvestre e rural, hoje também se desenvolve em centros urbanos. Na cidade de Belo Horizonte, capital do estado de Minas Gerais, é ilustrado o processo de urbanização da LV nas cidades brasileiras. Desde 1993, a cidade convive com a leishmaniose visceral, introduzida a partir de um município vizinho. A proximidade entre as habitações, a alta densidade populacional e a grande suscetibilidade da população à infecção contribuíram para a rápida expansão da LV no ambiente urbano. De fato, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, o percentual de municípios com notificação elevou-se de 6 no biênio 94/95 para 15 no biênio 98/99. As medidas de controle implementadas foram ineficientes, tanto na eliminação da transmissão como na prevenção de novas epidemias (8).
Sendo assim, como a urbanização é um fenômeno relativamente novo, pouco se conhece sobre a epidemiologia da LV nos focos urbanos. As relações entre os componentes da cadeia de transmissão no cenário urbano parecem ser bem mais complexas e variadas do que no rural. Com isso, o processo de expansão geográfica e urbanização da LV conduzem à necessidade de se estabelecer medidas mais eficazes de controle. Inicialmente, o programa de controle no Brasil tinha como objetivo quebrar os elos epidemiológicos da cadeia de transmissão da doença. No entanto, diante da falta de evidências de que as medidas até então empregadas conduziam a um impacto positivo na redução da incidência da doença humana no país, o Ministério da Saúde/FUNASA convocou em 2000 um comitê de especialistas para, juntamente com a Gerência do Programa, reavaliar as estratégias de controle empregadas e redirecionar as ações de controle visando à racionalização da atuação (9). Este aprimoramento vem sendo realizado com base em evidências encontradas na literatura científica e de ordem operacional, dentre elas:
-falta de padronização dos métodos de diagnóstico da infecção humana e canina;
-discordância entre os estudos que avaliam o impacto da eliminação de cães soropositivos na prevalência da infecção humana;
-demonstração de que outros reservatórios podem ser fonte de infecção da L. chagasi, como os canídeos silvestres e os marsupiais;
-escassez de estudos sobre o impacto das ações de controle dirigidas contra os vetores.
Nesse sentido, surgiu o Programa de Controle da Leishmaniose Visceral (PCLV), que visa a reduzir as taxas de letalidade e o grau de morbidade através do diagnóstico e tratamento precoce dos casos humanos, bem como da diminuição dos riscos de transmissão mediante controle da população de reservatórios e vetores. O novo enfoque do PCLV incorpora áreas sem ocorrência de casos humanos ou caninos da doença nas ações de vigilância e controle, objetivando evitar ou minimizar a expansão da doença (10). Teoricamente, as estratégias de controle parecem adequadas, mas na prática a prevenção de doenças transmissíveis por vetores biológicos é bastante difícil, ainda mais quando associada à existência de reservatórios domésticos e silvestres e aos aspectos ambientais, incluindo aspectos físicos de utilização do espaço habitado.
Infere-se, portanto, que apesar da existência de inúmeros estudos abordando diferentes aspectos da Leishmaniose Visceral, algumas questões cruciais para a implementação das medidas de controle continuam sem resposta. Qual a real extensão do problema? Quais são os fatores de risco para as populações? Como avaliar o impacto das intervenções de controle e como antecipar as epidemias? (11). Assim, um grande passo para alcançar respostas foi dado pela Fundação Nacional de Saúde e Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, ao patrocinarem oficinas de trabalho, conferências e simpósios, que têm contribuído para um melhor entendimento da complexidade do problema. Nestes encontros, os órgãos operacionais e a comunidade científica identificam as dificuldades técnicas e operacionais, discutem as estratégias de intervenção e tentam definir as áreas prioritárias de pesquisa. De fato há que se valorizar e incentivar novas investigações e pesquisas aplicadas como fontes importantes de informações para subsidiar o Programa de Controle da LV no Brasil. (11)
Autoria: Comissão Ensino Médico: Catharina Ribeiro Guimarães e Frederico Moreira Man Fu
REFERÊNCIAS:
1. Lainson R, Shaw JJ. Evolution, classification and geographical distribution. In: Peters W, Killick-Kendrick R. The Leishmaniasis in Biology and Medicine. Vol. 1. London: Academic Press; 1987. p. 1-120.
2. Lainson R, Shaw JJ, Silveira FT, Braga RR. American visceral leishmaniasis: on the origin of Leishmania (Leishmania) chagasi. Trans R Soc Trop Med Hyg 1987; 81: 517.
3. Mauricio IL, Stohard JR, Miles MA. The strange case of Leishmania chagasi. Parasitol Today 2000; 16: 188-9.
4. Silva ES, Gontijo CMF, Pacheco RS, Fiuza VOP, Brazil RP. Visceral Leishmaniasis in the Metropolitan Region of Belo Horizonte, State of Minas Gerais, Brazil. Mem Inst Oswaldo Cruz 2001; 3: 285-91.
5. Santos SO, Arias J, Ribeiro AA, de Paiva Hoffmann M, de Freitas RA, Malacco MA. Incrimination of Lutzomyia cruzi as a vector of American visceral leishmaniasis. Med Vet Entomol 1998; 12: 315-7.
6. Deane LM. Leishmaniose Visceral no Brasil. Serviço Nacional de Educação Sanitária. Rio de Janeiro; 1956.
7. Lainson R, Dye C, Shaw JJ, Macdonald DW, Courtenay O, Souza AA et al. Amazonian visceral leishmaniasis Distribution of the vector Lutzomyia longipalpis (Lutz and Neiva) in relation to the fox Cerdocyon thous (Linn.) and the efficiency of this reservoir host as a source of infection. Mem Inst Oswaldo Cruz 1990; 85: 135-7.
8. Silva ES, Pirmez C, Gontijo CMF, Fernandes O, Brazil RP. Visceral leishmaniasis in a crab-eating fox (Cerdocyon thous) in south-east Brazil. Vet Rec 2000; 147: 421-2.
9. Sherlock IA, Miranda JC, Sadigursky M, Grimaldi Jr G. Natural infection of the opossum Didelphis albiventris (Marsupialia: Didelphidae) with Leishmania donovani in Brazil. Mem Inst Oswaldo Cruz 1984; 79: 511.
10. Cabrera MAA, Paula AA, Camacho LAB, Marzochi MCA, Xavier SC, Silva AV et al. Canine visceral leishmaniasis in Barra de Guaratiba, Rio de Janeiro, Brazil: assessment of risck factors. Rev Inst Trop S Paulo 2003; 45: 79-83.
11. GONTIJO, Célia Maria Ferreira; MELO, Maria Norma. Leishmaniose visceral no Brasil: quadro atual, desafios e perspectivas. Revista Brasileira de Epidemiologia, [S.L.], v. 7, n. 3, p. 338-349, set. 2004. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/s1415-790x2004000300011.
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