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USOS DA TOXINA BOTULÍNICA PARA ALÉM DA ESTÉTICA

USOS DA TOXINA BOTULÍNICA PARA ALÉM DA ESTÉTICA

25/SET/2021

Saúde

Na última década, os procedimentos estéticos faciais e corporais tornaram-se bastante comuns entre variadas áreas de prestação de serviços à saúde, estética corporal e embelezamento humano. Um número crescente de pacientes tem buscado procedimentos estéticos invasivos mínimos, sendo o tratamento com toxina botulínica (TB) um dos serviços mais solicitados. Apesar de estar fortemente implicado nos tratamentos de rejuvenescimento e harmonização facial, a TB cumpre diversos outros papéis terapêuticos, que vão desde intervenções oftalmológicas até o tratamento de dor crônica. (1)

 

Trazendo um breve contexto, a TB é uma toxina produzida através da esporulação de uma bactéria gram-positiva e anaeróbica conhecida como Clostridium botulinum, descoberta no ano 1895, ano em que ocorreu um surto de botulismo. O mecanismo de ação da TB consiste em determinar paralisia neuromuscular flácida transitória por meio do processo de denervação química. (2)

 

Atualmente, oito sorotipos imunologicamente distintos têm sido identificados. Destes, sete sorotipos: A, B, C1, D, E, F e G são neurotoxinas. Embora todos os sorotipos inibam a liberação de acetilcolina na terminação nervosa, suas proteínas intracelulares, seus mecanismos de ação e suas potências variam substancialmente. O sorotipo mais amplamente estudado para o propósito terapêutico é o A, entretanto, os estudos sobre os efeitos dos demais sorotipos estão em crescimento. (3) Quanto a seu mecanismo de ação, a TB é uma neurotoxina que possui alta afinidade pelas sinapses colinérgicas, ocasionando um bloqueio na liberação de acetilcolina desses terminais nervosos sem, contudo, alterar a condução neural de sinais elétricos e/ou a síntese e armazenamento de acetilcolina. A injeção muscular de TB, em dose e localização apropriadas, provoca desnervação química parcial e diminuição da contratura, sem ocasionar paralisia completa. Quando esse tecido é glandular tem-se o bloqueio da secreção. (4,5)

 

Como já salientado, a TB foi inicialmente usada para tratamento de condições motoras como as distonias, sendo que investigações posteriores notaram significantes benefícios na dor (especialmente dores neuropáticas e enxaqueca crônica), o que com frequência excedia os resultados da melhora da contração muscular e não correspondia estritamente à região dos efeitos neuromusculares. Isto sugeria que essa substância poderia ter efeitos diretos sobre os mecanismos da dor, independentemente das ações neuromusculares. (1)


Até o presente momento, as evidências sugerem que as propriedades analgésicas observadas fazem parte de um mecanismo de analgesia mais complexo, que vai além do simples relaxamento muscular. Os estudos levantam a possibilidade de interação complexa da TB com tecidos periféricos e eventuais influências indiretas nos mecanismos centrais da dor. (1)


A TB é efetiva na profilaxia de vários tipos de cefaleias, incluindo a migrânea. Cefaleias com desordens musculares respondem ao tratamento com a TB, incluindo a cefaléia cervicogênica e a cefaléia crônica associada com lesão cervical tipo chicote (whiplash). Na migrânea, acredita-se, porém sem conclusão definitiva, que o mecanismo de ação da TB seja pelo relaxamento da musculatura infiltrada pela TB e também em consequência, diminuição da pressão sobre as raízes do nervo trigêmeo. (6)

 

É interessante ressaltar que, mesmo dentro de seu propósito inicial, que é o tratamento de condições motoras, a utilização da TB também se diversificou bastante, incluindo tratamento de espasticidade em sequelas de AVC, paralisia cerebral, para ou tetraplegia; tratamento sintomático de doenças neurodegenerativas (Doença de Parkinson, Esclerose Múltipla, por exemplo); distúrbios de movimentos, como as distonias (distonias cervicais, hemi distonias, distonias generalizadas) e bruxismo — contração aumentada dos músculos da mastigação, que pode gerar dor e desgaste nos dentes. (7)

 

Além do tratamento da dor e da hipertonia, a TB também é utilizada na gastroenterologia para o tratamento de acalásia. Nessas ocasiões, a toxina botulínica é injetada no esfíncter esofágico inferior, provocando seu relaxamento e melhora do peristaltismo. Constitui um procedimento alternativo à dilatação com balão esofágico ou à miotomia, e sua eficácia é satisfatória, com o resultado durando de seis meses a mais de um ano. (8)


Na oftalmologia, por outro lado, a TB é empregada no tratamento do estrabismo. Uma das vantagens que observamos no tratamento do estrabismo com a substância é que não há alterações anatômicas, diferentemente do procedimento cirúrgico. Sua aplicação é uma alternativa segura – inclusive em crianças – e o tempo de recuperação é rápido. Apesar de não produzir efeitos tão estáveis como a cirurgia convencional, a utilização da TB é bastante efetiva em tipos específicos de estrabismo, tais como desvios de pequenos ângulos, desvios secundários, paralisias agudas do nervo, oftalmopatia subaguda da moléstia de Graves, hipo e hipercorreções pós-cirúrgicas, estrabismos pós-cirurgia de descolamento de retina e também para pacientes sem condições clínicas para anestesia geral ou para correção cirúrgica. (9)


Por último, a TB ainda encontra aplicação na correção de distúrbios glandulares, como salivação excessiva (sialorréia), comum em doenças neurológicas; e suor excessivo (hiperidrose). (8)


Em resumo, a terapia com TB é segura e bem tolerada em desordens dolorosas crônicas, onde regimes de farmacoterapia podem sabidamente provocar efeitos colaterais, encontrando aplicações também no tratamento de distúrbios oftálmicos, glandulares e motores. O tratamento com TB, apesar do alto custo, representa um nova opção para pacientes com síndromes dolorosas resistentes a tratamentos atualmente disponíveis.Outra vantagem é a redução de medicamentos adjuvantes e tempo de ação, com duração de três a quatro meses por dose, diferentemente do uso contínuo de outras medicações. Pesquisas futuras serão necessárias para se estabelecer a eficácia da TB em desordens dolorosas crônicas e seu exato mecanismo de ação no alívio da dor, bem como seu potencial em tratamentos multifatoriais . (10)

 

O uso eficaz e seguro da TB requer um entendimento abrangente da anatomia corporal, experiência prática do profissional, bem como conhecimento e prática sobre a técnica de injeção, localização das aplicações e dosagens adequadas para as áreas a serem tratadas. A boa eficácia do tratamento e a baixa incidência de efeitos adversos certamente são fatores que contribuem para os níveis consistentes e significativamente elevados de satisfação dos pacientes. (11)

 

Autoria: Comissão Ensino Médico: Catharina Ribeiro Guimarães e Frederico Moreira Man Fu

 

Referências: 

COLHADO, Orlando Carlos Gomes; BOEING, Marcelo; ORTEGA, Luciano Bornia. Botulinum Toxin in Pain Treatment. Brazilian Journal Of Anesthesiology, [S.L.], v. 59, n. 3, p. 366-381, maio 2009. Elsevier BV. http://dx.doi.org/10.1590/s0034-70942009000300013.


Dressler D, Saberi FA, Barbosa ER - Botulinum toxin: mechanisms of action. Arq Neuropsiquiatr 2005;63:180-185.


Lang A - History and uses of BOTOX (botulinum toxin type A). Lippincott's Case Manag 2004;9:109-112.


 Wenzel RG - Pharmacology of botulinum neurotoxin serotype A. Am J Heath-Syst Pharm 2004;61(suppl 6):s5-10.


 Setler PE - Therapeutic use of botulinum toxins: background and history. Clin J Pain 2002;18(6 suppl):s119-124.


Aguilar-Rebolledo F, Hernandez-Sanchez J, Rayo-Mares D et al. - Toxina botulínica como tratamiento de la espasticidad y distonia en la parálisis cerebral infantil. Gac Méd Mex 2001;137:403-411.

Mattos A. Toxina botulínica tipo A recomendações, contraindicações e mais. Int PUBMED. 2018. [Acesso em 2020 out 23]. Disponível em: https://pebmed.com. br/toxina-botulinica-tipo-a-recomendacoes-contrain- dicacoes-e-mais/.


COLHADO, Orlando Carlos Gomes; BOEING, Marcelo; ORTEGA, Luciano Bornia. Botulinum Toxin in Pain Treatment. Brazilian Journal Of Anesthesiology, [S.L.], v. 59, n. 3, p. 366-381, maio 2009. Elsevier BV. http://dx.doi.org/10.1590/s0034-70942009000300013.


CRONEMBERGER, Mônica Fialho; MENDONÇA, Tomás Scalamandré; BICAS, Harley Edison do Amaral. Toxina botulínica no tratamento de estrabismo horizontal em crianças com paralisia cerebral. Arquivos Brasileiros de Oftalmologia, [S.L.], v. 69, n. 4, p. 523-529, ago. 2006. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/s0004-27492006000400013. 


Fujita RLR, Hurtado CCN. Aspectos relevantes do uso da toxina botulínica no tratamento estético e seus diversos mecanismos de ação. Int Saber Científico. 2019;8(1):120.


Vasconcellos RC, Sotero P, Lage R. Atualizações do uso cosmiátrico e terapêutico da toxina botulínica. Int Surg Cosmet Dermatology. 2019;10(3):97–104.